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Testemunhos por um fio
Última alteração: 2014-09-25
Resumo
Nas mesmas cadeias em que permaneceram Frei Tito, Carlos de Ré, Jacob Gorender, estão atualmente encarcerados aproximadamente 500.000 brasileiros. Um amontoado de figuras comuns - estudantes, trabalhadores, desempregados, militantes, moradores de rua - escrevem. Empunham canetas, penas, lápis, carvão como se armas fossem, encenando o gesto incisivo de entrada no discurso. Em meio às notícias de vida e morte, juras de amor, relatos das condições de saúde e doença, preces, algo mais pede passagem. Algo mais exigirá expressão entre linhas insípidas, aparentemente banais, pedantes, apelativas, descritivas. Algo vaza por entre as palavras escolhidas pelos presos atingidos pelo terrorismo de Estado. Algo mais sussurra na ausente pontuação da massa encarcerada. Situada neste ponto exato, do algo mais, está a pesquisadora a coletar cartas, a juntar cacos, a ouvir vozes, a desmontar certezas, a escrever. Escreve e, como testemunha, habita outra língua, faz falar o que emudeceu, avariou, escorreu pelo ralo, sem deixar vestígio. Inventa uma língua para o que não cabe nas palavras, pelo terror sem nome, pelo que desintegra o próprio corpo, pelo tênue fio ligado à vida. A pesquisadora, como membro do projeto de pesquisa ARQUIVO E TESTEMUNHO DE VIDAS INFAMES: O QUE RESTA A DIZER (PPGPSI UFRGS), torna-se aquela que oferece as próprias carnes. Para que almas silenciadas pela morte insepulta ou pela expropriação de qualquer vestígio de humanidade encontrem abrigo, um plano comum.
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