Última alteração: 2017-10-11
Resumo
Algumas palavras do vocabulário cotidiano, ainda que tenham permanecido as mesmas ao longo dos séculos, não possuem mais o mesmo conteúdo, ou, ao menos, não mais se restringem aos limites do campo semântico em que foram forjadas. Novos significados são incorporados a velhas palavras, enquanto outros são esquecidos ou silenciados. “Vandalismo” é uma dessas palavras que passaram por reconfigurações semânticas no contemporâneo, adquirindo um grau de ubiquidade sem precedentes. Neologismo criado no contexto da Revolução Francesa por Henri Grégoire, em seus relatórios sobre o saque e a destruição de “monumentos nacionais”, atualmente a palavra “vandalismo” é empregada para nomear práticas sociais diversas, tanto a destruição de bens reconhecidos como patrimônio, como qualquer ato interpretado como dano à propriedade. Assim, quando se fala em “vandalismo”, o que se quer dizer? O que está encoberto pela plasticidade do uso da palavra? Quais as derivas históricas do conceito? Quais as implicações sociais da atribuição desse rótulo? Esta comunicação visa problematizar as derivas portuguesas e brasileiras do conceito de “vandalismo”, ao interpretar e contextualizar textos-manifestos contra a destruição do patrimônio (ou dos “monumentos nacionais”) escritos por Alexandre Herculano, no contexto português do século XIX, e por Alceu Amoroso Lima e Paulo Duarte, no contexto brasileiro da primeira metade do século XX. Parafraseando Herculano, pode-se dizer que, ao longo da história, o conceito de “vandalismo” vestiu diferentes trajes, pois, ao sentido inicial, sobrepuseram-se novas camadas de significação. Investigar algumas dessas camadas, sedimentadas no presente, pode indicar maneiras de pensar sobre os ataques ao patrimônio cultural. Os textos analisados sugerem interpretações sobre os valores atribuídos ao passado e seus vestígios, os ideais de civilização frente à barbárie, as concepções de história e memória, bem como sobre os caminhos necessários para edificar uma nação.